Vila Reencontro: após 5 meses, famílias elogiam privacidade nas casas, mas se preocupam com prazo para deixar projeto

Primeira unidade do programa de habitação temporária da Prefeitura de SP, na Zona Norte, abriga 33 famílias atualmente. Apenas 40 casas modulares foram instaladas no local, que tem capacidade para 270. Segundo secretário, ampliação de vagas deve ocorrer até o final deste ano.

A inauguração da Vila Reencontro Cruzeiro do Sul, na Zona Norte de São Paulo, completa cinco meses nesta quarta-feira (24). Localizada no Canindé, é parte do projeto da gestão municipal de restabelecer a autonomia de pessoas que se encontram em situação recente de rua, oferecendo assistência social e cursos profissionalizantes.

O g1 esteve no local para conhecer as histórias de três famílias que se mudaram para lá em momentos diferentes e suas perspectivas em relação ao programa (leia mais abaixo).

Inicialmente, a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) havia estabelecido que as vilas acolheriam famílias com crianças em situação de rua há no máximo dois anos por um prazo de 12 meses, que poderia ser prolongado para até 18 meses.

Contudo, a orientação atual da pasta modifica esses prazos para três anos em situação de rua e acolhimento na vila por até 24 meses (dois anos).

Unidade Cruzeiro do Sul
A primeira unidade da Vila Reencontro fica em um terreno de 31 mil m², no endereço do antigo clube da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC). O local recebeu 40 casas modulares, mas sua capacidade é de até 270 moradias do tipo.

Segundo o secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Carlos Bezerra Júnior, a ampliação da unidade deve ocorrer até o final do ano. O processo teria sido adiado devido a reformas que estavam previstas, mas acabaram se mostrando mais complexas do que o planejado.

Na visita ao local, o g1 apurou que estão sendo construídas uma sala de atendimento para assistentes sociais, uma sala de técnicos, uma brinquedoteca e um novo refeitório.

De acordo com a pasta, 33 famílias vivem na unidade atualmente, sendo que outras 18 já passaram por lá e saíram do projeto. Ao g1, os moradores relatam que houve brigas e citam uso de álcool e drogas ilícitas — proibidos pela secretaria.

Bezerra afirmou ter conhecimento sobre dois ou três casos envolvendo violência doméstica contra mulher, situações em que, após advertências, teria ocorrido o desligamento dos agressores, mas não de suas famílias.

Questionado sobre os relatos dos moradores, o secretário disse que é realizado um trabalho intenso de conscientização sobre dependência química. “Nosso objetivo é que, durante esse período de 24 meses, todos aqueles que demonstrarem questões ligadas à dependência química possam ter um acompanhamento de perto, mas isso jamais será impositivo”, afirmou.

Outro incidente mencionado pelos residentes foi em relação à alimentação fornecida por uma empresa contratada. De acordo com os relatos, após um tempo já atuando na unidade, o fornecedor teria passado a entregar refeições com alguns problemas, como a presença de fios de cabelo nos alimentos.

Segundo a organização da sociedade civil responsável pela administração da unidade, a Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI), a contratação do fornecedor foi realizada pela gestão municipal. O g1 procurou a secretaria para comentar o caso, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

No eixo trabalho, previsto no programa Reencontro, nove residentes da Vila Cruzeiro do Sul já conseguiram empregos formais. Os demais ainda estão realizando entrevistas e aguardando o chamamento do POT — Programa Operação Trabalho, da Prefeitura de São Paulo.

Primeiras famílias
Antiga moradora de um hotel social, Jaqueline Pereira de Andrade, de 41 anos, se mudou com o esposo e a filha mais nova para a Vila Cruzeiro do Sul em 29 de dezembro do último ano, cinco dias após o evento de inauguração do local.

“Eu gosto muito daqui, é um passo para futuramente termos o nosso canto”, disse. Ao falar sobre o projeto, ela elogiou o trabalho dos assistentes sociais e a cooperação entre os próprios beneficiários.

Amante de fotografia, a moradora quer aproveitar o período na Vila Reencontro para retomar os estudos sobre captura de imagens e se tornar uma fotógrafa. “Eu quero dar continuidade ao que parei, dar um futuro bom para os meus filhos, para eles se espelharem em coisas boas, não no que passou, lá atrás não foi bom. É seguir daqui pra frente.”

Além da pequena Maria, Jaqueline tem outros quatro filhos, que vivem em cidades diferentes, sob cuidados de parentes. Ela pretende reuni-los quando tiver condições financeiras.

O que a deixa mais ansiosa no momento é a questão de conseguir trabalho. O esposo de Jaqueline é um dos nove residentes da unidade que já estão empregados.

Aos 32 anos, Rafael Cortês mora em uma casa modular com a esposa e os dois filhos pequenos, o mais novo com apenas dois meses.

Devido a um problema com o irmão, o rapaz deixou a casa onde vivia e passou oito meses com a família em um Centro de Acolhida Especial (CAE) na região de Santo Amaro, na Zona Sul, até que foi selecionado para integrar a Vila Reencontro em janeiro deste ano. “Ainda estou me acostumando a morar perto do Centro”, brincou.

O ponto que mais valoriza no projeto é a privacidade que as famílias têm. Porém, há um fator que o incomoda: a ansiedade causada pelo prazo de permanência.

Segundo Rafael, o medo é de chegar ao final dos dois anos sem ter uma autonomia financeira e precisar ser encaminhado para outros programas de acolhimento.

“Nosso sonho é ter uma moradia para nossa família, não ficar pingando de galho em galho. Aluguel tá praticamente impossível pagar, aí você paga aluguel, faz compra e pode até conseguir se manter vivo, mas não vai progredir. Isso eu não quero para a minha vida, não quero que minha filha cresça assim”, disse.

No entanto, segundo os profissionais da assistência social responsáveis pela Vila Cruzeiro do Sul e a própria SMADS, ninguém ficará desamparado quando os 24 meses terminarem. “Nosso foco não está no prazo, está na autonomia”, disse o secretário Carlos Bezerra Jr. Ele afirma que ao final do programa a questão do aluguel social será trabalhada com as famílias, como forma de moradia definitiva.

Assim como a esposa, Rafael está cadastrado no POT, aguardando chamamento da prefeitura para trabalhar.

Recém-chegada à vila, Cátia dos Santos Alves, de 31 anos, se mudou para o Canindé no final de abril, com sua filha de 4 anos e sua companheira, Juliana. Ela contou que a família foi bem recebida pelos outros moradores, sem preconceito por serem, até então, o único casal de mulheres na vila.

By Alessandra Gomes

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