Coaches estrangeiros investigados em SP reativam conteúdo de ‘curso de conquista’ com Tailândia como destino

Inquérito na Polícia Civil apura suposto favorecimento de prostituição, exploração sexual, agenciar, aliciar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher exploração após festa em mansão na Zona Sul de São Paulo.

Os coaches estrangeiros de um curso sobre como conquistar mulheres reativaram o site e as redes sociais e voltaram a divulgar a Tailândia, na Ásia, como novo destino. Os dois são investigados pela Polícia Civil de São Paulo e a Polícia Federal depois de uma festa numa mansão da capital paulista, em fevereiro. Eles lucravam com a venda dos cursos e a suspeita é a de aliciamento de mulheres, entre outros crimes.

O evento no Morumbi, na Zona Sul de São Paulo, foi promovido por Mike Pickupalpha e David Bond, do site Millionaire Social Circle (“Círculo Social de Milionários”).

O contrato de locação do imóvel foi assinado por Mike e Fabrício Castro, um brasileiro que se diz “mentor de homens” e chegou a receber R$ 5.950 em Auxílio Emergencial na pandemia de Covid-19 enquanto vendia cursos.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública afirmou que o inquérito da Polícia Civil está em fase de conclusão. Dezesseis pessoas foram ouvidas, incluindo menores de idade que estavam na festa.

O inquérito foi instaurado no 34º DP, Vila Sônia, Zona Sul de São Paulo e investiga favorecimento de prostituição ou outra forma de exploração sexual e agenciar, aliciar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher exploração sexual.

“Mais detalhes serão preservados em virtude da natureza dos delitos e do sigilo policial, conforme previsão legal”, afirma a SSP em nota.

Também por meio de nota, a Embratur disse que está atualizando o Mapa do Turismo Internacional, que é feito com base no Mapa do Turismo Brasileiro, publicado em maio deste ano pelo Ministério do Turismo.

“O objetivo é fornecer à Polícia Federal a identificação dos principais destinos para que essas informações sejam cruzadas com os locais de maior incidência de crimes de exploração sexual.”

Segundo apurado pelo g1, David Bond também já surgiu com o nome de Steven Mapel. No entanto, ele apresentou no país um documento de turista das Filipinas em nome de Mark Thomas Firestone. A suposta identidade foi usada para aluguel de imóvel na estadia no Brasil.

Em 18 de março, vídeos, fotos e textos do curso sobre como conquistar mulheres em São Paulo foram retirados do ar quando o caso repercutiu. Tanto o conteúdo quanto os perfis nas redes sociais foram reabertos e divulgam o novo “programa para milionários”.

No texto sobre a Tailândia, eles citam “festas inacreditáveis, lutas de muay thai, festivais e uma vida noturna incrível”.

“David e Mike passaram muito tempo aqui e podem guiá-lo pela movimentada metrópole [Bangkok] para experiências inesquecíveis”.

Assim como no Brasil, o site afirma que terá uma mansão e despesas como alimentação hospedagem e sessões de fotos pagas.

Menores de idade em mansão

O pai de uma jovem de 17 anos reconheceu como sendo a filha dele em imagens feitas na festa. A garota confirmou à família ter conhecido pela internet Mike Pickupalpha, um dos mentores, saído com ele e viajado.

A presença dela na festa foi mostrada pelo Fantástico e o pai conversou com o g1. Sobre a festa, a jovem contou que “não queria que fosse gravada e não queria tirar fotos”. Os dois aparecem em um vídeo comendo comida japonesa postado no perfil do curso e abraçados na praia.

Outra menina menor de idade, conforme apurado pela reportagem, esteve na festa a convite de uma amiga maior de idade. A então adolescente consumiu bebida alcoólica e saiu com um dos alunos.

A relação foi consensual, mas ela não sabia que o grupo fazia parte de um curso de conquista.

Conteúdo excluído

No site Millionaire Social Circle (“Círculo Social de Milionários”) todos os textos e fotos relacionados com as viagens por países como Costa Rica, Colômbia e Filipinas, que chegaram a ser tirados, retornaram. O site, no entanto, voltou sem o clipe do programa no Brasil.

A conta do TikTok do “MSC” que chegou a ficar no modo privado, o canal do YouTube que tinha apenas o vídeo de uma partida de videogame, e o perfil do curso no Instagram, que havia sido encerrado, todos voltaram à ativa.

O que você precisa saber sobre o caso:

Dois coaches dos Estados Unidos venderam cursos de US$ 12 mil a US$ 50 mil.
“Alunos” estrangeiros aprendiam, com técnicas deles, a se relacionar com mulheres.
As mulheres ouvidas pelo g1 não sabiam que eram parte da aula prática do curso.
Grupos de alunos viajavam para países como Costa Rica, Colômbia, Filipinas e Brasil, em fevereiro. Os participantes da edição brasileira se encontraram com mulheres por meio de apps e outras foram chamadas por redes sociais.
Coaches fizeram uma festa na Zona Sul de São Paulo com comida, bebida à vontade e transporte; o caso repercutiu depois que algumas mulheres descobriram que homens faziam curso.
Ao menos duas delas denunciaram o caso para a polícia e alegam que foram filmadas sem autorização; material colhido por eles é usado em grupos e para publicidade.
A próxima etapa do curso deve ocorrer na Tailândia.

Inquérito policial
Ao menos duas mulheres registraram na Polícia Civil de São Paulo que conheceram “alunos” dos coaches pela internet, foram a um jantar em grupo e dias depois estiveram na festa. Nas duas situações foram feitos vídeos usados em peças publicitárias do curso sobre como conquistar mulheres, segundo elas.

Os organizadores negaram que os registros foram para publicidade.

As duas jovens e outras duas ouvidas pelo g1 afirmam que não sabiam que o grupo estrangeiro participava de um curso (veja abaixo os relatos).

O Ministério Público acompanha as investigações da polícia. Segundo o promotor Rogério Sanches Cunha, o crime de exploração sexual foi alterado em 2009 e não pune apenas quem explora a prostituição. A lei também prevê punição para quem coloca pessoas na condição de objeto sexual, mesmo que elas não tenham recebido dinheiro algum, nem tenham se relacionado sexualmente com os alunos.

“É exatamente o que aconteceu nesse exemplo. Mulheres que imaginaram estar indo numa festa, na verdade aquilo era uma fraude. Elas estavam servindo pra que homens pudessem treinar como conquistá-las. Elas estavam como objetos sexuais, de acordo com as informações que chegaram para nós. A informação é que elas se sentiram usadas. Usadas sexualmente”, disse, anteriormente.

Mike já apareceu em canais no Youtube filmando mulheres com câmeras aparentemente escondidas em diversos países. Já David Bond diz ser um especialista em namoro on-line e produtor de conteúdo digital.

Coaches fazem kits com pílula do dia seguinte e camisinha para ‘alunos’ se relacionarem

O curso
O curso, oferecido a estrangeiros de vários países, cobrava a partir de US$ 12 mil (cerca de R$ 63 mil) em troca de consultoria de conquista e viagem de duas semanas para algum país. Além do Brasil, houve edições na Costa Rica (em fevereiro de 2022), Colômbia (julho de 2022) e Filipinas (agosto de 2022).

O pacote com seis países, chamado de World Tour, sai por US$ 50 mil (cerca de R$ 262,7 mil), segundo o site do grupo.

“Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras ao redor do mundo que são conhecidas por serem divertidas, curvilíneas e apaixonadas”, disse o anúncio da viagem ao Brasil.
Em um vídeo, a dupla exibe o kit a ser levado na bagagem: pílulas do dia seguinte, usadas para evitar gravidez em relações sexuais sem preservativo, camisinhas e perfumes com feromônios — que supostamente secretariam substâncias para chamar atenção das mulheres.

O que dizem as mulheres

A mulher que registrou o boletim de ocorrência disse ter visto vídeos publicados em que ela aparece com os alunos da “mentoria” de conquista. Foi o que a fez querer denunciar. Ela disse ter conhecido um rapaz no Tinder e sido convidada a jantar com “amigos” dele.

“Saímos algumas vezes até ele me convidar para o jantar, que me disse que seria com amigos deles. Foi normal [o jantar] e conversamos sobre assuntos tranquilos, até porque eu queria praticar o inglês. Ficavam filmando o tempo todo e eu tentava me esquivar porque não gosto que me filmem”, lembra.

No dia seguinte, a brasileira foi convidada pelo homem para a festa na mansão.

“Na festa tinha muitas mulheres e nem todas sabiam falar inglês. Havia funcionários, DJ, garçons. Uma das mulheres me disse que foi [à festa] por causa de um anúncio e aí achei estranho, porque ela disse que pagaram o transporte também. Eu achei que era algo mais reservado.”
A outra mulher que foi à festa na mansão também conheceu pelo Tinder o homem que a chamou. Ela disse que deu “match” com um americano e foi convidada para jantar. O rapaz contou que fazia parte de um grupo de negócios e a convidou para um primeiro encontro.

Lá, afirmou, havia outras mulheres que estavam com os “amigos” dele. Ela não sabia, mas eram outros alunos do curso.

“Conheci outras meninas brasileiras lá e até gostei, porque eu não sei muito bem inglês. Era um restaurante muito chique, até exagerado. O rapaz que eu saí me tratou muito normal, bem de início, criando um vínculo. Tinha gente de vários países. Não me senti desconfortável naquele momento.”

O encontro foi antes da festa. Dias depois, ela recebeu um convite para colocar dados pessoais e fazer parte da lista do evento.

“Não fiquei até o fim da festa. Interagi mais com a meninas que conheci no jantar, mas conheci uma menor de idade que disse que conhecia pessoas na organização. Disse que logo faria 18 anos, mas estava numa festa de comida e bebidas à vontade. Não vi ela ficando com ninguém, mas disse que se sentiu incomodada ao ter visto um casal fazendo sexo em um dos quartos.”

O que dizem os citados

Mike Pickupalpha, do site Millionaire Social Circle, falou com o g1 em março. Perguntado por mais de uma vez se informava as mulheres de que a festa era aula prática do curso de conquista, não respondeu.

“Foi uma festa coorganizada com meus amigos brasileiros. Alguns trouxeram suas próprias namoradas. Uma festa com adultos que escolheram estar lá por livre e espontânea vontade. Comida, segurança e transporte adequado foram fornecidos.”

Perguntado sobre menores de idade no evento, o coach não negou, mas disse possivelmente haver câmeras de segurança no local. “No formulário de candidatura dissemos que era preciso ter mais de 18 anos e pedimos à segurança para fiscalizar e fiscalizar todos.”

 

By Alessandra Gomes

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