Chá com imortais também tem espumante; saiba como é uma sessão na Academia Paulista de Letras

Da inflação ao SUS, acadêmicos reúnem-se às quintas no prédio no Largo do Arouche e falam sobre tudo. O maestro Júlio Medaglia, integrante da Academia, observa uma fotografia onde poucos ainda estão vivos e diz ao g1: ‘Nós não somos eternos, somos apenas imortais’.

Faltavam trinta minutos para o chá dos imortais, encontro realizado às quintas no segundo andar da Academia Paulista de Letras, em São Paulo. Doze dos 40 acadêmicos estão presentes, alguns virtualmente. Comem frutas e jogam conversa fora enquanto o relógio não bate 17h. Um garçom percorre o salão com uma bandeja repleta de copos e xícaras customizadas com o símbolo da APL. “Água de coco, café?”, oferece.

A dama da literatura brasileira, que completaria 105 anos naquela semana, é sempre lembrada pelos colegas. “Ontem foi aniversário da Lygia [Fagundes Telles]. Ela falava assim ‘hoje, todo mundo escreve. Onde está o leitor? Eu preciso de leitores, meu querido, onde é que estão?’”, recorda José Renato Nalini. Juarez, assessor da diretoria, passa de mão em mão um cartaz com fotos de imortais acompanhada da mensagem “saudações à presença feminina”.

Na mesa de mogno com toalha de Jacquard, o atual presidente da Casa, Antonio Penteado Mendonça, está sentado à cabeceira. Pergunta pelo Papa Bento XVI. Segundo ele, a APL é a única no mundo que “tem um Papa”. Em 2007, Ives Gandra e José Renato Nalini foram a uma reunião no mosteiro de São Bento e entregaram o diploma de membro de honra , honoris causa, a Bento XVI . A foto do momento está num quadro na sala onde acontecem as sessões.

Os imortais brincam com a mortalidade. Um deles repete uma frase dita por Olavo Bilac e muito repetida por Lygia. “Nós somos imortais porque não temos onde cair mortos”. José Renato Nalini afirma que proíbe os acadêmicos de morrer, mas ninguém obedece. “Aqui é tudo bem espontâneo porque ninguém aqui disputa mais nada”, ironiza um dos acadêmicos.

Na primeira quinta-feira do mês, os imortais almoçam juntos, de preferência na cantina Jardim di Napoli. “Mas mesmo nesses almoços nós temos discussões sobre literatura, cultura, política, e, principalmente, sobre a situação de São Paulo. Porque nós fazemos questão que a nossa academia seja Paulista, Bandeirante”, diz Nalini com orgulho.

Não é só chá, também tem espumante
O chá começa pontualmente às 17h com temas selecionados previamente. Mas não é só chá. Tem espumante também. Lygia, mais uma vez lembrada, levava seu uísque.

É sempre um acadêmico que coordena o diálogo. Tratam-se por “excelência”, como exige o regimento inspirado nos ritos da Academia Francesa de Letras. Na pauta, impressa em papel A4, alguns dos pontos destacados:

O acadêmico Bolívar Lamounier falará brevemente sobre seis pontos para reflexão sobre o futuro do Brasil.
Recentes declarações do presidente Lula.
Lembrança de aniversário, posses e falecimentos.
Antonio Penteado Mendonça domina o microfone. “O Brasil é um outro país em termos de saúde, aposentadoria, educação. Se nós pensarmos um pouco, em 1932 quase 90% da população brasileira era analfabeta”. Um dos imortais distrai-se apagando fotos no celular.

Em termos de profissões, há diversidade. Filósofo, músico, quadrinista, ex-ministro, ex-presidente. “Todos nós vamos nos lembrar bem da hiperinflação da década de 1980”, comenta um presente enquanto sorvetes e gelatinas circulam em taças.

Nobreza no Arouche

Na entrada do prédio localizado no Largo do Arouche, Centro de São Paulo, há um busto de mármore em homenagem a Brasilio Machado de Oliveira, o primeiro presidente da APL. Projeto do arquiteto Jacques Pilon do final da década de 1940, o edifício é um exemplar de transição da arquitetura art-déco para a moderna. Foi tombado em 2010 devido à sua importância histórica e arquitetônica. Nos tapetes, o emblema da Academia idealizado pelo artista José Wasth Rodrigues e inspirado pelo verso de “Última flor do Lácio”, de Olavo Bilac.

By Alessandra Gomes

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